Profissionalismo x romantismo

⚽️ Em época de time com maior investimento atualmente no Brasil, vôos fretados para deslocamentos e técnico estrangeiro, vale a pena conferir essa história da época romântica do futebol e sobre como João Saldanha se tornou técnico de futebol (e do Botafogo de Futebol e Regatas) pela primeira vez.

João Saldanha (1917 | 1990), jornalista com alguma experiência na gerência do futebol alvinegro, havia recebido um telefonema de Renato Estelita, então diretor de futebol e seu grande amigo, com o pedido para que viesse logo, até a sede, naquela sexta-feira.

— "Vem mais cedo hoje. Precisamos conversar com o presidente Paulo Azeredo."

O diretor precisava de apoio do amigo na discussão que teria com o presidente. Ninguém melhor que o Saldanha para reforçar qualquer argumentação. O futebol brasileiro nunca foi de segurar por muito tempo um técnico no cargo, desde os primórdios. Mas eles queriam garantir que houvesse alguma estabilidade no departamento de futebol alvinegro ao longo do ano de 1957.

O ex-jogador Geninho vinha realizando um bom trabalho em seu primeiro contrato como treinador botafoguense. Na verdade, os resultados eram mais do que bons, tanto que ele acreditava ser merecedor de um reajuste generoso no salário.

Azeredo, o presidente, não queria ceder de jeito nenhum. Ele achava não haver razões convincentes para que ele cedesse. Enquanto o técnico pretendia um salário de 25 mil, o cartola não aceitava pagar mais do que 22 mil cruzeiros. A diferença era muito pequena. Mas tinha-se uma situação onde a vaidade competia com a racionalidade. João enveredou pelo viés financeiro e argumentou que a diferença era muito pequena para tanta discórdia.

— “Doutor Paulo, a pedida do Geninho é razoável. Ele está trabalhando bem, amanhã temos o último jogo do Rio-São Paulo contra o Palmeiras. O time embarca hoje pelo trem noturno. Depois de amanhã, jogamos em Londrina para ir buscar o resto da folha de pagamentos. E ainda tem mais: na terça-feira saímos para a Venezuela e, depois, para o Nordeste. Não é sopa! Não podemos perder o técnico no meio desse forró.”

“Vai ser um desacerto,” emendou Estelita, o diretor de futebol, na expectativa pelo bom senso do chefe.

Minutos após saírem da sala do presidente, passa por eles, esbaforido, o técnico Geninho. 0s jogadores já estavam no campo, esperando pelo treinamento, mas o téchico estava indo embora sem dar chance. Estelita e João entraram novamenle na sala da presidência e ouviram a versão de Azeredo.

— "Nem de graça, nem de graça. Agora é questão pessoal!"

Foram até o Geninho. Ele só disse:

— “Agora nem por 25 mil, nem por 100 mil…” e foi embora.

Quem dirigiria a equipe até que outra solução fosse encontrada? Estelita se virou para João Saldanha e o avisou:

— "O jeito é você ficar com isso.”

ISSO era o time de futebol do Botafogo. Foi assim que João soube que seria técnico do clube do qual era torcedor.

[Do livro “O Futebol Como Ele É” - Rodrigo Capelo]


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